Minha história com a música: Geraldo Paim

Na minha vida, a música começa na cama de casal dos meus pais, que era o palco sobre o qual eu cantava quando bem criança, acompanhado de uma guitarrinha de brinquedo, dessas coloridas, de plástico. Lembro de colocar melodias e poemas nos quadros que tinha em casa. Além disso, eu também copiava, nos meus primeiros cadernos, as letras dos sucessos radiofônicos da época, cujas autorias passavam por Pepeu Gomes, Lulu Santos e outros reis de trilhas de novela.

Era o começo dos anos 90, você tinha que dar sorte de estar com a fita K7 no tape-deck exatamente na hora em que as rádios tocavam hits de Guns’n’Roses, Alice in Chains, Nirvana, Faith no More e outros gigantes do rock de então.

Os jovens rostos dos vocalistas dessas bandas estampavam os pôsteres da revista Capricho colados nas paredes do quarto das minhas irmãs. Assim, suas vozes tomavam conta da minha fitinha K7 verde, apagando a narração da história do carismático elefantinho Dumbo.

Banda imaginária

O próximo passo da longeva trajetória musical de uma criança de sete anos era clara: montar a própria banda. Foi fácil. Isso porque bastou passar a mão nos compactos sete polegadas herdados do meu pai: um com o hino do glorioso Clube Atlético Mineiro, time da família (perdão, meu Galo) e outro de melodias natalinas cantadas por cães (!).

O trabalho de produção consistia em colar sobre os selos originais dos vinis, os selos da gravadora imaginária da minha banda imaginária. Tudo desenhado e cortado em papel dos cadernos da escola. O mesmo valia para a capa: artesanal, com direito a desenho na parte da frente. Atrás, claro, a ficha técnica e as imagens dos integrantes, no caso, eu e os meninos que andavam comigo no recreio.

Quem tocava o quê? Cada um deles escolhia o instrumento ao qual era mais simpático, baseando-se nas fotos e vídeos vistos – que era o mais próximo que tínhamos chegado de guitarras, baixos, teclados e bateria de verdade.

Minha história com a música: Geraldo Paim

Primeiro LP

Eu, na verdade, já tinha visto raras vezes, a guitarra e o baixo de distantes primos paternos, plugados em um som portátil (imagine o áudio disso!) executando o tema de abertura do Xou da Xuxa. Então, um deles me deu meu primeiro disco de presente: a trilha sonora do Batman, de 1989, dirigido pelo Tim Burton. Vi o filme no cinema quando saiu, aos 6 anos. Até hoje sou fã do herói. Mas, meu herói mesmo passou a ser o Prince, autor da trilha.

Tenho esse LP até hoje, tocando lindamente, apesar da capa marcada com meus desenhos do Batman, do Coringa e da Vicky Vale. Assim, discos passaram a ser meus pedidos preferidos de presentes em aniversário, dia das crianças e Natal. Quando não tinha o Bon Jovi que eu queria, valia o Bryan Adams e assim, eu fui formando minha moral.

Música para ouvir, para ler e para escrever

Entretanto, não bastava ouvir. Eu queria saber tudo o que fosse possível dos artistas. Era uma época em que a imprensa musical se resumia a boatos duvidosos sobre as bandas, publicados no Brasil com 3 meses de atraso em fanzines com péssimas traduções. A chegada da MTV iria melhorar um pouco a situação.

Um programa de rádio local contava histórias de bandas clássicas do rock e eu, religiosamente, anotava, em tempo real, o que o apresentador falava. Como resultado, aprendi sobre as carreiras de Led Zeppelin, Jethro Tull, Grand Funk, Emerson, Lake and Palmer e muito mais.

Assim, enchi cadernos com essas mini-biografias, em inglês errado mesmo. Depois, para encontrar aqueles discos à venda ou mais informações sobre os grupos, era um verdadeiro trabalho de Indiana Jones.

Fazendo música

Com os CDs em alta, mas muito caros para um adolescente sem dinheiro, me tornei um rato de sebos, formando lá minha coleção com os LPs, dispensados a preço da banana na época.

Anos depois, já estagiário de jornalismo no Palácio das Artes, em BH, fui designado para restaurar o acervo de LPs do espaço. Atividade que incluía receber doações gigantescas, avaliar e selecionar o que entrava e o que descartava. Então, adivinha o que acontecia com os discos repetidos?

Quando desempenhei esse trabalho, eu já tinha aberto minha cabeça para a música brasileira.

Minha história com a música: Geraldo Paim

Lá atrás, aos 11 anos, grunge em luto pela morte de Kurt Cobain eu tinha me inscrito no meu primeiro curso de violão. Cobain morreu nesse mesmo ano e eu fiquei sabendo 3 dias depois (veja como era o mundo antes da internet).

Entretanto, no curso de violão, a frustração veio quando, após semanas de aula, percebi que as lições do professor culminavam na base de um chorinho, sobre a qual ele solava com seu brilhante cavaquinho. Não era a minha. Afinal, meus ingênuos ouvidos ainda não tinham sido abençoados com as maravilhas de Ernesto Nazareth, Pixinguinha e Jacob de Bandolim. Eu estava mais à procura dos power chords de Tony Iommi.

Então, aprendi a tocar teclado, mas o que eu gostava mesmo era de cantar. E, assim, entre 14 e 20 e poucos anos emulei Bruce Dickinson, Ozzy, David Gilmour, James Hetfield, Axl Rose, Paul Rodgers, Robert Plant, Freddie Mercury, Santana, Rita Lee, Ney Matogrosso, David Bowie e outras lendas.

Radio comunitária

Ainda no fim da adolescência integrei uma rádio comunitária. Era a rádio Santê FM, localizada em Santa Tereza, bairro vizinho ao que eu cresci, e que borbulha até hoje boemia e cultura. Foi, por sinal, o berço do Clube da Esquina e do Sepultura.

Assim, as inúmeras iniciativas bacanas da região se reuniam na grade da FM – de programa sindicalista a feminista, gótico, infantil, jazz e o que eu humildemente apresentava aos 16 anos, de rock clássico. Apesar de comunitária, a estação pegava até na região metropolitana de BH, o que rendeu sanções da Anatel, encerrando as transmissões da Santê depois de gloriosos e românticos anos de atuação.

Música e comunicação

Portanto, no fluxo dessas experiências, era natural que meu caminho fosse a graduação em Jornalismo. Depois, cursei especialização em História da Cultura e da Arte e produzi um programa de rádio sobre álbuns históricos, quando tive a hora de entrevistar nomes como Sérgio Dias (Mutantes) e João Ricardo (Secos e Molhados).

Assim, minha trajetória com a música seguiu cruzando quase sempre as paixões pela comunicação e pela música. Essa última, por sinal, proliferou-se em uma das minhas atividades preferidas: a composição. Depois de anos cantando covers, passei a dar vazão, no palco, às criações que sempre esbocei em casa.

Inclusive, como instrumentista, nunca fui de tocar músicas alheias. Quando pego o violão ou sento no piano meu prazer é inventar. Com banda montada, rodei as calouradas, ignorei pedidos de “toca Raul”, encarei horas de vôo e também vans apertadas em busca de espeluncas desconhecidas pelo prazer de tocar longe de casa. Estive em teatros lotados e inferninhos e, como todo músico independente, joguei nas 11: produzindo, vendendo ingresso, divulgando show, carregando gelo e passando som.

Além disso, trabalhei por uns 3 anos como operador/faz-tudo em um estúdio de ensaios, gravações e festas em Santa Tereza. Lá, eu aprendi um bocado sobre engenharia de som. O salário? Usar o espaço para ensaiar e gravar livremente.

Além disso, também estive do outro lado quando integrei a equipe de marketing de uma rede de casas noturnas de BH. Entretenimento é entretenimento, negócios nem tão à parte assim. O setor musical é uma cadeia produtiva como qualquer outra. Então, o show é parte do business e vice-versa. 

“Se não há outro mundo”

E assim, do teclado do notebook às teclas do piano, da caneta à palheta, o resultado do que produzo, nos campos profissional e pessoal, invariavelmente passa por música. Canto em um bloco carnavalesco, escrevo folks pra voz e violão, atuo como produtor de conteúdo e redijo textos para o Mundo da Música.

Ouvir, pesquisar, apurar e pensar sobre canções, sobre áudio, técnica e estética são mais que trabalho: representam prazer de vida, deleite de que faço questão. E que convivem, de forma saudável e complementar, com fazer música: tocar, cantar, compor. A música é o único mundo possível.


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Nerau