Festival de Woodstock: 51 anos e sempre mais jovem

Quando os shows em comemoração aos 50 anos do Festival de Woodstock foram cancelados, há um ano, li em algum lugar uma opinião de que aquela era uma decisão até acertada, uma vez que repetir o Woodstock era algo como tentar repetir a Queda da Bastilha. 

A afirmação faz sentido: o festival de Woodstock só poderia acontecer naquele momento, local, com aquelas pessoas. Foi um reflexo fundamental do contexto de então e alimentou toda uma cultura surgida dali para a frente. 

Se hoje você frequenta festivais que duram um final de semana inteiro; raves em meio à natureza com música ininterrupta; festas múltiplas, com vários outros atrativos para além dos shows: são esses alguns dos frutos de Woodstock. 

Anos incríveis

Certamente, os anos 60 ficaram marcados pela luta por direitos civis, dos negros, mulheres e gays e contra a guerra do Vietnã. Nos EUA, a ascensão do movimento hippie representava aquele jovem que negava o mesmo destino dos pais, combatentes na 2ª Guerra. Na Europa, as manifestações estudantis se associaram à causa operária; na América do Sul, a juventude resistia ao endurecimento das ditaduras militares. O desenvolvimento da comunicação de massa, com maior acesso às TVs e rádios, disseminava o rock n’ roll para todas as casas do planeta

Enquanto isso, o renomado psicólogo Timothy Leady popularizava o LSD. O Festival de Woodstock concentrou, assim, todo esse sonho de forma sonora e sensorial entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969. 

Uma pequena amostra do público em Woodstock.

Meio milhão de pessoas

Uma grande diferença entre aqueles quatro dias e os festivais atuais é o valor do ingresso. O bilhete para um dia de Woodstock custava U$6,50. O pacote para os três saía por U$24 na porta – o que corresponde, atualmente, a U$130. 

O valor da entrada não fez lá tanta diferença. Oficialmente, 186 mil ingressos foram vendidos, mas o restante dos outros quase 500 mil presentes invadiu a fazenda. Inegavelmente, para fascínio do proprietário Max Yasgur, acostumado com os 2.500 habitantes de Bethel, localizada a 150 km de Nova Iorque. 

O descontrole do acesso ao público se deu porque, às vésperas do começo do evento, os organizadores tinham que decidir se terminavam de construir o palco ou as bilheterias. No meio do dilema, já tinha gente entrando. 

O início de Woodstock

A fazenda, de 250 hectares, fora alugada para o evento apenas seis meses antes pelos jovens Artie Kornfeld, Michael Lang (este com alguma experiência em eventos), John Roberts e Joel Rosenman – os dois últimos, financiadores da ideia toda. O objetivo era arrecadar fundos para construir um estúdio na cidadela de Woodstock, ali perto de Bethel. O mítico local recebia colônias artísticas desde o começo do século, além de contar com a presença de Bob Dylan como morador desde 1967. 

Conseguiram contratar o já super popular Creedence Clearwater Revival, o que angariou interesses de outros grandes nomes para a empreitada, como Janis Joplin, Grateful Dead, The Band, Ten Years After e Johnny Winter. 

Da lama, a flor de lótus

Apesar do boicote dos habitantes de Bethel, a realização do festival foi aprovada pelas autoridades locais. Na sexta-feira, dia 15 de agosto, às 5h da tarde, Ritchie Havens abriu o Woodstock, escalado numa posição fora do combinado, já que o Sweetwater, banda que o faria, pegou uma blitz na estrada. Um pequeno desacerto que prenunciava o caos que se seguiria. 

Além do público inesperado que chegava sem parar, uma tempestade torrencial transformou todo o terreno em lama. A comida acabou e o público contou com doações de moradores do entorno. As instalações sanitárias eram precárias. Foram contratados apenas 18 médicos e 36 enfermeiras para a multidão. Um engarrafamento monumental quadruplicou o tempo do percurso na estrada para local, levando as pessoas a abandonarem seus carros e caminharem 20 quilômetros para o show. 

O condado de Sullivan decretou estado de emergência. Nenhuma briga foi registrada, mas duas pessoas morreram durante o evento: uma de apendicite, outra atropelada por um trator (!). 

Paz, amor e música em Woodstock.

Paz, amor e…música!

Mas ninguém se lembra dos percalços. O que ficou para a história foi: 

  • A interpretação inesquecível de Joe Cocker para “With a little help from my friends” dos Beatles; 
  • The Who apresentando a icônica ópera-rock “Tommy”, recém-lançada; 
  • Joan Baez, grávida de seis meses, dedicando uma canção ao marido, então preso por se recusar a ir lutar no Vietnã; 
  • John Sebastian interrompendo o show para anunciar que uma moça acabara de dar à luz ao lado do palco (oficialmente, foram dois nascimentos durante o festival).
  • Santana construindo a ponte entre o rock e a música latina, enquanto a trip de Ravi Shankar era em direção à celestial música indiana. 
  • Crosby, Stills, Nash & Young no segundo show de toda a gloriosa carreira do quarteto; 
  • A marcante versão do hino norte-americano por Jimi Hendrix, que exigiu fechar o festival mas, devido aos atrasos, acabou se apresentando na segunda-feira de manhã, para apenas 30 mil felizardos. 

Isso, além de apresentações lendárias de Jefferson Airplane, Country Joe McDonald, Sly and the Family Stone e Blood, Sweat and Tears – banda então vencedora do Grammy na categoria disco do ano.  

Legado de uma loucura

As dívidas consequentes de Woodstock foram quitadas pelos organizadores só 10 anos depois. Poderia ter levado mais tempo, se a Warner Bros. não tivesse acreditado no sonho. A produtora investiu US$ 100 mil na produção do célebre documentário sobre o festival, que faturou o Oscar da categoria no ano seguinte. A influência da película na filmografia de rock nos anos seguintes é mais um crédito para a conta de Woodstock. 

O legado do festival para o setor de espetáculos é direto. Na ocasião, foi construído um sistema de som específico para dar conta da platéia, com colunas de alto-falantes, caixas de som de madeira marinha e uma poderosa amplificação sustentada por geradores. Uma baita inovação para a época, se pensarmos que, apenas 4 anos antes, o famoso show dos Beatles no Shea Stadium teve o som emitido pelos alto-falantes do estádio – sim, aqueles nos quais costumam ser transmitidos os informes durante os jogos… 

Concertos para multidões se tornariam mania nos anos 70 – e o mercado de shows nunca mais foi o mesmo.

O Woodstock não foi o primeiro grande festival de rock – antes dele, outros já eram famosos, como o de Monterey e o da Ilha de Wight. Mas foi, com certeza, o mais influente. Logo em 1970 seria criado na Inglaterra o primeiro festival de Glastonbury, realizado até hoje. Os ecos do Woodstock chegariam ao Brasil, com o Festival de Águas Claras – registrado no documentário “O barato de Iacanga” – e também o Hollywood Rock de 1975, entre outros. Atualmente, são incontáveis os grandes festivais em todo o mundo. 

O sonho acabou. Acabou?

A certeza de que Woodstock representou o auge de um sonho é que a própria decadência já estava dando as caras, como antecipara o clássico do cinema Easy Rider, lançado um mês antes.

Quando o festival aconteceu, todo o idealismo flower-power tinha sofrido o  abalo em virtude de dois recentes fatos: a estranha morte de Brian Jones (ex-Rolling Stones) e o assassinato da atriz Sharon Tate e seus amigos por seguidores da seita de Charles Manson. 

No final de 1969, durante um festival promovido pelos Rolling Stones em Altamont, na Califórnia, duas pessoas foram mortas por integrantes do grupo de motoqueiros Hells Angels, que faziam a segurança do evento. Já em 1970 os Beatles se separaram; Jimi Hendrix e Janis Joplin morreram em decorrência de excessos com drogas; em 1971 foi a vez de Jim Morrison.

Notas de rodapé em páginas fundamentais da história da nossa música, nas quais o Festival Woodstock merece um capítulo e tanto.


Leia mais:

Receba nossas dicas e novidades em seu e-mail!

Nerau